quinta-feira, 5 de junho de 2025

2º DIA - CUMURUXATIBA A CORUMBAU

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Como fomos na baixa temporada, tivemos o privilégio de sermos os únicos hóspedes do hotel — era como se todo aquele paraíso tivesse sido reservado só para nós. A cama era um convite ao descanso, tão macia que parecia nos abraçar, e a noite foi silenciosa e mágica, embalada apenas pelo som suave das ondas.

Sabendo que a maré baixa estava prevista para às 10h46, planejamos tudo com calma. Acordamos cedo, saboreamos um café da manhã delicioso, com direito àquela tapioca irresistível que já virou tradição. E então, com o coração leve e o espírito animado, partimos para mais um dia de descoberta e encantamento.


  • Data: 13/06/2025
  • Tábua das marés: vazia 10h46 -0,42m
  • Distância: 30 km
  • Dificuldade: Média

Deixamos Cumuruxatiba rumo a Corumbau pedalando beira-mar, com o vento no rosto e o horizonte aberto diante de nós. A sensação era de liberdade absoluta, como se cada pedalada nos levasse mais fundo em um cenário de pura aventura. Mas era preciso atenção: o ritmo das marés ditava nosso tempo. O segredo? Começar a pedalar 2h00 antes do ponto mais baixo da maré, quando a areia se torna firme como asfalto — e não esquecer de esvaziar um pouco os pneus para garantir mais estabilidade.

A paisagem ia se transformando a cada curva, e a imensidão azul era nossa companhia constante. Sempre que cruzávamos com um pescador, eu fazia questão de parar, trocar algumas palavras e perguntar sobre o trecho adiante. Era como ouvir histórias contadas pelo próprio mar, que nos guiava com sabedoria e charme por entre seus segredos.

À direita, avista-se o imenso mar azul. À esquerda, uma paisagem de coqueiros, mangues e falésias que, diga-se de passagem, são um espetáculo grandioso. Em tons avermelhados, formam paredões de até 20 metros de altura, que refletem o brilho do sol em cores vivas.

Após cinco quilômetros de pedaladas pela praia, chegamos de frente a uma falésia, desta vez elevando-se como um morro bem acima do nível do mar. A única maneira é escalar pelo caminho demarcado, facilmente identificado. 


Lá do alto, o mundo se abre diante dos olhos como uma pintura viva — o mar se estende até onde a vista alcança, e a vegetação dança suavemente ao sabor do vento. É um convite ao encantamento, à contemplação silenciosa da natureza em sua forma mais pura.

Li certa vez que, em algumas épocas do ano, o caminho se enche de cor, salpicado por dezenas de flores silvestres — entre elas, uma orquídea delicada, de minúsculas pétalas cor-de-rosa, como pequenos suspiros da mata. Nesta visita, elas não estavam lá. Mas, ainda assim, as trilhas guardavam sua beleza, com curvas que pareciam desenhadas à mão e paisagens que aquecem a alma. Cada pedalada era poesia em movimento.





A estrada termina na porteira de uma fazenda, onde atravessamos e chegamos à Praia do Moreira, com uma pequena e aconchegante enseada em forma de meia-lua, mas de praia bem pedregosa. 


Infelizmente, recebemos um aviso importante: o proprietário do local nos informou que em breve fechará o acesso e colocará cães de guarda para proteger a área. Isso significa que, em pouco tempo, não poderemos mais passar por ali para chegar à praia. É bom já começarmos a buscar outras rotas alternativas.

Lá do alto do morro, com o mar se estendendo à nossa direita como um tapete azul sem fim, surge à esquerda uma visão histórica e emocionante: o imponente Monte Pascoal. É um daqueles momentos únicos em que o presente se encontra com o passado — diante dos nossos olhos está o mesmo monte que, em um domingo ensolarado de Páscoa, foi avistado por Pedro Álvares Cabral e sua esquadra.

Conta a história que foi exatamente ali, nas imediações das praias de Prado, perto da foz do Rio Caí, que os navegantes avistaram pela primeira vez este novo mundo. O coração bate mais forte ao pensar nisso: estamos pisando o mesmo solo que foi o primeiro suspiro do Brasil no olhar dos portugueses. Ver o Monte Pascoal de tão perto é como tocar um pedaço vivo da história — grandioso, emocionante, inesquecível.

De volta à praia, a foz do Rio Caí é um dos pontos mais bonitos da pedalada. 



E foi aqui mesmo, naquele cenário de beleza selvagem e significado profundo, que a história do Brasil começou a ganhar forma. No dia 23 de abril de 1500, o navegador Nicolau Coelho, obedecendo às ordens de Cabral, deixou as grandes naus ancoradas ao largo e seguiu em um pequeno barco até a praia.

Ao pisar em terra firme, Coelho protagonizou o primeiro encontro entre europeus e os indígenas Pataxós, os verdadeiros guardiões daquela terra intocada. Imagine o espanto, a curiosidade mútua, os gestos trocados, os olhares tentando decifrar mundos tão distintos. Ali nascia, entre coqueiros e areias douradas, o primeiro capítulo de uma longa e complexa história.

Chegamos então ao marco que simboliza o início do Brasil!


A atmosfera daquele lugar ainda carrega algo desse momento único — como se o tempo tivesse deixado ali uma memória sussurrada pelo vento e gravada nas raízes da mata. Estar aqui é mais do que contemplar uma paisagem; é testemunhar o ponto exato onde dois mundos se encontraram pela primeira vez.

Cheios de energia e empolgação, seguimos pedalando até avistarmos um ponto perfeito para reidratar. Era hora de uma pausa merecida — e nada melhor do que saborear uma água de coco geladinha, doce e refrescante, que parecia ter o sabor exato do paraíso.


Por sorte, fizemos essa parada estratégica no momento certo, porque logo adiante o cenário mudou completamente. O caminho se transformou em um trecho de terra fofa, impossível de pedalar. Tivemos então que descer das bikes e seguir empurrando, passo a passo, até finalmente alcançar as margens do rio Caí — um verdadeiro desafio que tornou a aventura ainda mais memorável.


À medida que nos aproximávamos do rio Caí, o coração bateu mais forte — a água estava alta e a correnteza, visivelmente mais intensa. A imagem do dia anterior ainda estava fresca na memória, quando cruzar aquele rio já havia parecido uma verdadeira provação. E ali estávamos de novo, diante do mesmo gigante, como se fosse uma montanha líquida à nossa frente, desafiando nossa coragem mais uma vez.

Eu lembrava de ter lido que, em situações assim, o mais seguro seria conseguir uma carona em um dos barcos dos pescadores da região. E como um alívio repentino, encontramos um deles por ali. Mas, para nossa surpresa, ele estava sem o barco... Ainda assim, com uma gentileza que só os homens do mar têm, se ofereceu para nos ajudar a atravessar — e com isso, embarcamos em mais um trecho dessa aventura intensa, onde o medo e a empolgação andavam lado a lado.


Após a travessia, retomamos o pedal com mais leveza, curtindo o caminho tranquilo até a encantadora Ponta de Corumbau. Em certo ponto da estrada, cruzamos com uma família e seu pequeno cãozinho preto. Para nossa surpresa, ele começou a nos seguir, animado como se fizesse parte da aventura.

Parei por um instante, olhei para trás e chamei a família, mas eles não pareciam se preocupar muito com o novo companheiro de estrada. Então seguimos em frente — e ele, firme e determinado, continuou conosco por cerca de 6 km, até chegarmos ao pontal. Um viajante inesperado, que deixou a jornada ainda mais marcante.

Há duas interpretações para o nome Corumbau, originado do tupi. Para alguns, significa “longe de tudo”; para outros, “fim do mundo”. E, de fato, quando se avista aquela impressionante ponta de areia — que, na maré baixa, pode se estender por mais de um quilômetro mar adentro — é fácil acreditar nas duas versões. A sensação é surreal, como se o mundo acabasse ali, entre o céu e o mar, e o tempo parasse por alguns instantes.

Quando chegamos, tivemos a sorte de encontrar esse banco de areia completamente exposto, permitindo que caminhássemos por ele com o mar abraçando os dois lados. O vento soprava com força, levantando pequenos redemoinhos de areia e criando um clima de imensidão e liberdade. Era como estar em um lugar onde o silêncio fala alto, onde a natureza reina absoluta — selvagem, intocada e hipnotizante.

O vilarejo de Corumbau é o menor e mais simples da Rota do Descobrimento — e talvez justamente por isso, carrega um charme especial, quase escondido do tempo. Decidimos nos hospedar em uma casinha acolhedora, bem próxima ao pontal, ponto estratégico de onde partiríamos no dia seguinte.

A escolha foi perfeita: além da vista tranquila e do silêncio revigorante, a casa acomoda confortavelmente até seis pessoas — ideal para quem viaja em grupo. Aproveitamos o momento de pausa para cuidar do essencial: lavamos nossas roupas, demos aquela geral nas bikes e recarregamos as energias para o próximo capítulo dessa jornada inesquecível.


Gastos:

R$ 300,00 Pousada 
R$ 60,00 Almoço
R$ 24,00 Cocada

Total:
R$ 754,00

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